domingo, 26 de agosto de 2007

Mágoas


Não importa o tanto que alguém diga que goste de você ou até mesmo goste de verdade. Esta pessoa um dia vai te magoar. Da mesma forma, não importa o tanto que você goste ou pense que goste de alguém um dia você vai magoar esta pessoa. A mágoa surgirá pelos mais "justos" e "injustos" motivos. Entretanto, justiça e motivos pouco importam, ante o coração de quem sofre no momento em que sofre.


Digo isso, porque a visão da "vítima" raramente é a mesma do "algoz". Porque se fosse não haveria mágoas. Haveria um entendimento mútuo. Entre eles há uma corda imaginária da justiça, do ético, do correto e o da verdade (sempre ela), onde cada um puxa uma das pontas opostas querendo trazer para o seu campo o oponente. No fundo, essa disputa imaginária, em muitas situações é para ver quem ocupa o lugar de "vítima" ou o do "sacaneado". Claro que isso não se aplica a todas as situações. Estou me referindo as situações de mágoas que envolvem a nós e as pessoas que nós gostamos ou pensamos que gostamos.


Uma história judaica (gosto muito da cultura judaica, embora conheça pouco) conta que havia dois rabino discutindo sobre o Talmut. Como eles não se entendiam, foram procurar um terceiro para resolver a pendenga e dizer qual dos dois tinha razão. Esse rabino era muito admirado pelo seu alto senso de justiça. Pois bem. Chegaram na frente do colega e cada um expos o seu "ponto-de-vista". Ele ouviu a ambos atentamente, cada um a seu tempo. Alguns minutos de reflexão... E disse ao primeiro, "você tem razão". O segundo perplexo indagou "como? Não é possível!". O rabino falou: "você também tem razão!" A esposa desse rabino que ouvia tudo em silêncio falou: "marido, como pode os dois terem razão?. Isso não é possivel!". Ele vira para esposa e diz "sabe que você tem razão!".


Não vou comentar a história, porque cada um tem as suas próprias conclusões. Só quero chamar atenção para uma expressão muito corriqueira entre nós que é o tal do "ponto-de-vista" nem sei se a expressão é hifenada. Se não for, me corrijam. Uma professora de Estética, nas minhas priscas eras de graduação, aliás uma as mais brilhantes que já tive a oportunidade de me deparar, dizia algo parecido com isso: "todo ponto-de-vista é cego, porque é limitante, porque coloca o próprio ser como medida de si mesmo e de tudo que há. É necessário esvaziar-se de si para integra-se ao todo". Parece conceito budista e até acho mesmo que é... Para reforçar a tese, ela trazia um diálogo entre Édipo e sua filha Antígona registrado por Sófocles na peça"Édipo Rei". "Antígona, só agora que estou cego e perdi o meu reino é que realmente consigo entender o que é ser".


Você ao acabar de ler talvez diga que eu não tenha a menor razão. E eu direi, sem o menor deboche, "sabe que você também tem razão?"