sábado, 14 de julho de 2007

Alguns poemas


Alguns poemas tornaram-se pra mim especiais e cheios de significados. Esses dois aí abaixo são exemplos disso. Ambos são da poetisa americana Emily Dickinson, cuja vida por si só daria uma epopéia, tamanha densidade dos seus escritos, embora tenha nascido e vivido na mesma casa.

Caiu tão frágil - aos meus Olhos -
No chão o ouvi bater -
E espalhar cacos sobre as Pedras
Do fundo do meu ser -

Culpei por isso o Acaso - menos
Que a mim mesma acusei
Pois Louça Velha em meu Armário
Junto à Prata guardei –


Sem comentários....

Sempre leio os versos aí debaixo quando estou me sentindo meio bostão.

Estar viva – é Poder –
A Existência – em si própria –
Já é suficiente Onipotência –
Sem outro requisito –


"Alguns Poemas" também é o nome da coletânea que tomei emprestado de um amigo que me apresentou Mrs. Dickinson há uns bons cinco anos. O livro traz os poemas em Inglês e a tradução em Português, feita por José Lira. A editora é Iluminuras.

Um rosto


Era um rosto. Um rosto numa multidão em festa.
Era um rosto a trazer de volta um outro rosto já esquecido que esqueceu da lembrança que um dia me viu.

Era um rosto que guardava detalhes de um outro rosto. Nariz, boca, testa e sorriso. Tamanha semelhança não tinha nada a ver com camisetas ou regras de Português.
Era um rosto que lembrava outro rosto que esqueceu de lembrar. Só podia ser pra me incomodar. Só poderia ser mesmo obra do inexistente acaso encontrar sem procurar.
Era um rosto apenas um rosto que meus olhos por algum momento cruzaram.
Era apenas um rosto desconhecido que não me viu. Melhor assim. A dor não existe quando o desencontro vem antes do encontro.

Pula Fogueira




“Pula fogueira iaiá! Pula fogueira ioiô! Cuidado pra não se queimar! Olha que a fogueira já queimou o meu amor!”

A academia que frenquento resolveu fazer, embora um pouco atrasada, uma festa caipira. Foi ontem e acho que fui a última que vou em 2007. O que é uma pena.

Estava com medo, porque festa Caipira em Academia de Ginástica tem tudo pra não dar certo. Vamo que algum doido ao invés de forró, pense num aulão de cicling indoor? Ou uma invente uma quadrilha interativa nos aparelhos de musculação? Eta, sô! Que me(r)da!, como diria uma amiga paulista. A minha preocupação maior, contudo, era com a comida e bebida... Já pensou, substituir o quentão por uma bomba de guaraná light? Ou Whey Protein batido com leite de soja no lugar de uma boa batida de coco?


Para alegria geral, a festa deu certo! Tinha bandeirinha, pano de chita, grupo de forró (muito bom por sinal). Tinha até quadrilha e eu dancei muito! O que não fazia desde os meus 12.. E de lá prá cá passou foi água por debaixo da ponte... Tudo bem que faltou fogueira, batidas, paçoca, balão e fogos, mas valeu cada gosta de suor!

Uma curiosidade, a festa era caipira, mas de 100 pessoas, eu era uma das 10 vestido a caráter.. eheheh A pagação de mico só não foi maior porque estava acompanhado do meu cumpadre "Zé do Piriquité", o da foto aí de cima...

Gostei muito de ser por algumas horas o matuto "Zé Chico Barbixa". Com ele, descobri que sou um caipirão que nasceu por engano no Rio de Janeiro....

Amizades em Brasília


Em Brasília, fora a afinidade, boa educação e bons modos, exigem-se outras senhas para se ter acesso a um grupo de amigos, colegas ou seja lá o que for. E aqui você precisa de um grupo. E como é difícil entrar num. Confesso que em 11 anos de cidade, às vezes, erro a password e trava o sistema... e me vejo só, ainda que cercado de gente.

Sou forasteiro, carioca. Essas duas características já me condenam por aqui... Mas como sou um carioca atípico, sou condenado pela metade. Explico. Em algumas situações, eu até consigo furar alguns cercos. Deve ser quando acerto as malditas senhas. Depois sou esquecido como se nunca tivesse existido. E olha que gosto e não tenho problema de sair sozinho. Contudo, tenho tentado mudar. Aceito convite até pra ir em batizado de boneca, como diria um amigo baiano, mas a recíproca comigo não é verdadeira.

No Rio, dois dedos de prosa já é a senha para um chopp ou ida ao boteco para ver um jogo (e olha que detesto futebol!). Aqui não. Aqui você vê e conversa com a pessoa todo dia (trabalho, academia etc.), mas ao convidar para fazer algo fora daquele ambiente, as desculpas soltam imediatas, prontas! É como se já houvesse a expectativa do convite, portanto a negativa precisava e estava pronta. Não me lembro de ter feito nenhum convite e o mesmo ter sido aceito de primeira.

Talvez por isso, todos os meus Amigos e Amigas “coincidentemente” sejam de fora e não foram criados por aqui. Aliás, conheço tão poucas pessoas nativas de Brasília, que talvez possa soar injusto a quem lê as minhas observações.

Deduzo que por aqui os canais não podem ser misturados. Aliás, é exatamente isso. Quando alguém faz aniversário comemora da seguinte maneira: festa com o pessoal do trabalho, uma outra para comemorar com o pessoal da academia, uma outra pra comemorar com os amigos da infância, uma outra para comemorar com os parentes, outra para comemorar com os colegas do trabalho da esposa... Exageros meus a parte, é mais ou menos assim mesmo que as coisas funcionam por aqui.

Tudo bem! O problema deve ser meu. Afinal “cariocas são tão arrogantes-simpáticos e superficiais, fazem festa por qualquer coisa e misturam tudo e todos... No fundo são uns chatos!” É o que já ouvi por aqui. Não vou rebater ou debater o mérito dos adjetivos, mas uma coisa é certa. Nas festas no Rio de Janeiro, nunca me senti um peixe fora d’água, mesmo junto a pessoas que conhecia a menos de uma hora.

No Rio, as pessoas vão logo dizendo a que vieram. Agradando ou não (muitos mais desagradam do que agradam). Aqui as palavras são medidas. Todos são tão educados, cordiais, que chego ficar vermelho quando solto um “porra” entre um grupo de marmanjos.

Até conheço pessoas a quem poderia chamar de amigas, entretanto não tenho a menor idéia sobre o que pensam da vida, do amor, do sexo (nem sei se fazem sexo!). São “amigos” que nunca falam de si. Amigos totalmente desconhecidos! Amigos que te perguntam como você vai e mudam de assunto imediatamente para não ouvirem a sua resposta. Talvez por isso todos aqui sempre estejam “bem”! Amigos que toda vez que encontro, tenho a sensação de estar puxando assunto com um desconhecido numa fila de banco. “Que calor! – É ta seco!; e o jogo? - Que jogo!?”.
Putz! É difícil pra cacete. Tudo bem! Sei que estou acostumado com a avacalhação carioca. O cara senta ao teu lado no trem ou no ônibus, movimento seguinte já te conta que o patrão é um filho-da-puta e o último salário foi todo pra pagar a mensalidade atrasada da geladeira e pro material escolar do caçula que este ano começou a estudar!

Aqui não tem isso. Até nos círculos de pessoas mais simples, onde encontra-se mais facilmente espontaneidade nas relações, todos estão preocupados com o que os outros vão pensar. O que precisa ser dito (quando dito!) é sempre em meia voz. Ninguém pode saber! Não é a toa que as pessoas costumam mentir. Mentem sobre os relacionamentos. Mentem sobre o emprego, onde moram, com quem moram o que comem, o que pensam e o que fazem.

Ok. Você tem razão isso acontece em outros lugares. E parece que estou carregando demais nas tintas do quadro que pinto. Afinal quem foi que disse que a lógica das relações cariocas têm que ser a mesma lógica daqui? Entretanto é tão bom encontrar acolhimento... É tão bom se sentir acolhido num círculo de gente que você conhece e convive.

Devo ter me tornado um chato intolerante nesses últimos anos em que vivo por aqui. E, com certeza, me tornei fechadão, quase hermético... Mas com o avançar da idade – e ela avança inexoravelmente! - tenho sentido falta de gente real na minha vida. Gente que fale das suas próprias flatulências. Gente que não tenha vergonha de dizer quem é e nem me faça sentir vergonha pelo que sou. Gente, pra quem eu possa ser gente e não apenas um número a mais na agenda do celular, do messenger ou do orkut.

Vou seguir o exemplo da Clarice e publicar o mesmo anúncio.

Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar.

P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
(“Precisa-se” – Clarice Lispector)