quarta-feira, 18 de julho de 2007

Fatalidade, morte e tempo


Acabo de ler na Folha de São Paulo: “Consultor conseguiu antecipar o vôo e escapou do acidente” .

Trata-se da história de Fabrício Costa, 29 anos, consultor de empresa que deveria estar no vôo JJ 3054 da TAM que partiu ontem de Porto Alegre às 17h para uma viagem sem volta. Fabrício terminou seus compromissos na capital gaúcha mais cedo. Foi para o Aeroporto e por “sorte” conseguiu embarcar no vôo JJ 3052, da mesma companhia. Chegando por volta das 15h em São Paulo sem incidentes. Infelizmente, destino bem diverso tiveram os cerca de 180 passageiros que estavam no vôo que Fabrício “deveria” estar.

Ontem, todos nós fomos expectadores da tragédia. Vimos pelas olhos eletrônicos da TV e da internet as chamas consumindo o avião e imaginamos dolorosamente a agonia de 186 pessoas dentro daquele aparelho. Se pensarmos nos familiares e amigos, nas histórias daquelas relações todas, podemos imaginar o mar de lágrimas, tristeza e saudade.

A morte trágica é uma amputação cruel, sem anestesia para aqueles que ficam. Ter um amigo, amor, parente, retirado violentamente do convívio sem que nada possa ser feito é de uma crueldade sem limites. A dor é dilacerante. Difícil de ser consolada ou aceita.

Quem poderia imaginar que depois que o aparelho venceu 35 mil pés (11 mil metros) de altitude, viria ser protagonista de tamanha tragédia? Chega a ser covarde. Sim, porque quando a roda do avião toca no solo é o momento em que há um suspiro de alívio, uf! Todos sentem isso. Vêem-se testas retesadas voltarem ao estado de relaxamento. Uns conseguem até sorrir. E aí, sem mais nem menos, o avião derrapa, atravessa uma avenida e vai estourar num galpão de combustível!

Contando, parece enredo daqueles filmes de terror B. Quando parece que está tudo bem depois de momentos de extrema tensão, a morte vem da forma mais cruel possível e elimina os personagens.

Voltando, entretanto, a Fabrício. Pergunto-me o que o fez conseguir embarcar num outro vôo e não fazer parte dessa tragédia? Eu mesmo perdi um amigo do vôo 1907 da Gol. A história dele foi inversa de Fabrício. Ricardo, antecipou o vôo e encontrou a fatalidade. Fabrício ao contrário, ao antecipar o seu vôo “fugiu” da fatalidade.

Penso agora na dor das famílias. Imagino o sentimento que invade a cabeça dessas pessoas em luto tão dolorido. Por que comigo? É a pergunta mais comum diante das fatalidades. Por quê? Difícil encontrar a resposta. Difícil falar para uma mãe e um pai que Fabrício foi “premiado”, mas o seu filho não. Mas é, de fato, um prêmio?

A nossa sociedade e cultura não transa muito bem a morte. Inconscientemente, temos a sensação “da eternidade efêmera da infância” (para usar uma expressão de um dos poemas do amigo Marcos Mazzaro). Crescemos e racionalmente sabemos que vamos morrer um dia, mas lá no recôndito do nosso ser, a sensação da eternidade (de que nunca vamos morrer) resiste. Nesse quesito, acho que as crianças são mais sábias do que nós adultos. Eu não tenho dúvidas de que a morte é uma ilusão... mas aceitá-la... confrontar-me com a idéia da efemeridade do meu status quo atual, já é outra história.

A morte sempre traz uma desculpa, dizem alguns. Mas se a morte é a única certeza que podemos ter em vida, ela não precisa de desculpas. Ela é soberana. Ela virá um dia. Dizem que alguns monges tibetanos se cumprimetam diariamente falando uns para os outros “você vai morrer”. “Credo! Coisa macabra”, pensei na primeira vez que ouvi a história, mas depois me convenci que talvez essa seja uma forma de nos lembrar da efemeridade das nossas experiências. Lembrar que desde hoje estamos a construir a nossa morte amanhã. Então, supõem-se que tudo passa. Tudo vai passar. Embora seja difícil convencer o coração dilacerado de quem fica na margem do rio, vendo o barqueiro levar o ente querido...


E, invariavelmente, quando vemos o barco partir, sempre nos perguntamos espantados entre a dor e a saudade: “Qual o significado disso tudo?!” E porque tinha que ser agora? O confronto com a morte acaba por nos leva a refletir sobre o tempo e o que fazemos com as nossas vidas, como se elas se desenrolasse num filme, onde há um roteiro e aí vem uma outra inevitável pergunta: "Quando será a minha vez"?

Os gregos acreditavam nas Moiras (para os romanos, Parcas) , três irmãs que desenrolavam e cortavam o novelo de linha da vida. As três deusas também eram chamadas de Fates, daí o termo fatalidade. Qual a lógica que as Moiras seguem para dizer em qual parte da linha a vida será cortada? Há lógica ou é apenas uma ato discricionário? Segundo a mitologia, nem Zeus o deus supremo do Olimpo, podia contestar as suas decisões.

Já na mitologia do Candomblé, idéia do tempo é diversa. Todos têm o poder de produzir o seu próprio tempo. Não existe um futuro a ser alcançado, como nós ocidentais imaginamos. Porque “o tempo é uma composição dos eventos que já aconteceram ou que estão para acontecer imediatamente (...) não fazendo nenhum sentido a idéia do futuro como acontecimento remoto desligado de nossa realidade imediata”, segundo John Mbiti, no blog Nonomito. Até onde entendi, não há essa sucessão de coisas. Não há uma linha de chegada. Aliás, essa linha de chegada até existe, mas ela está sendo construída e modificada a cada momento do agora.

Na cultura ocidental, é comum a idéia de que tempo é uma linha que o destino usa para construir a sua trama, seguindo um plano uma lógica. Para alguns iluminados, essa lógica é acessível, sendo possível a eles prever as próximas cenas ou “pontos-cruz” desse bordado infinito. Sendo assim não existe o futuro da forma fatal que o imaginamos.

Fabrício, por sua vez, diz que vai mudar. "Eu olho para o bilhete lá... eu poderia estar no vôo. Muita coisa vai mudar. A única coisa que posso dizer neste momento é que graças a Deus estou vivo!". Talvez, ele diga isso, chegando a conclusão de que a vida que levava poderia tê-lo colocado como um dos personagens da tragédia; ou quem sabe, movido também pelo esforço que costumamos fazer em dar significados aos ocorridos em nossas vidas.

Talvez seja o momento dele ter forças para conseguir abraçar um antigo desafeto. Pedir desculpas alguém. Desengavetar algum projeto.. Enfim, qualquer coisa que o deixe quite consigo mesmo. Os seus familiares e amigos idem.

E por não ter nada mais a dizer, termino esse post lembrando Vinícius de Morais: “O meu tempo é o agora!”.
PS. A colega blogueira Rachel, me informou de uma campanha que o Zeca Camargo está fazendo no blog que ele tem. O nome é "eu vou morrer", aí as pessoas enviam suas fotos. Passem lá. É interessante.

3 comentários:

r a c h e l disse...

é, é pra gente pensar mesmo. sei que o zeca camargo é meio fashion demais e às vezes, cansa. mas ele está fazendo uma campanha na coluna dele lá no G1, site de notícias do globo, que é bem interessante. faz a gente pensar que amanhã pode não estar mais aqui.
http://g1.globo.com/Noticias/Colunas/0,,7373,00.html


boa vida pra você. vou pensar em tudo o que eu tenho que desengavetar.
:*)

Josenildo Marques disse...

Olá! Obrigado por visitar e fazer um link pro Monomito! Gostei bastante do artigo! Abraços!

Alexandre Magno disse...

Eu é quem agradeço. Monomito é uma obra de arte. Tanto pela qualidade dos textos, quanto pelo tema fascinante. Vale a pena a visita.

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